quinta-feira, 20 de maio de 2010

UM BALAIO DE LEMBRANÇAS

Acho que uma coisa que eu adoro e poucas pessoas sabem é FEIRA. Não o ato de encher um carrinho de mercadorias num supermercado bacana. É feira mesmo, com homem gritando "mulher bonita não paga, mas também não leva". Com menino dizendo "a madama quer mais um real pra fechar os dez?", com mulher dizendo "zé, troca cinquenta aí...".

Lembro quando eu ia pra feira central aqui da minha cidade com minha mãe e me sentia importante por conseguir carregar uma sacola cheia de frutas. Sem falar nos pirulitos que se chamavam "galinha de açucar" e tinha um jeito único de desmanchar na boca. Nunca, nunca mais eu experimentarei aquele gosto de novo, eu sei. Gosto de infância é irrecuperável.

Estes dias eu tive de voltar à feira, sozinha, para fazer uma surpresa à dona minha mãe. Foi inexplicável a sensação de agora conseguir carregar muito mais do que a sacola de frutas: carregava sentimentos de saudade boa, desses que dá pra encher um balaio e ainda levar troco.

Como homenagem, vai um poema INÉDITO (favor - e quando eu digo por favor é quase "pelo amor de Deus" - respeitar os direitos autorais *)


Sento na feira e observo:

Que cada cento tem mil histórias

De lavoura e de louvores

Que cada troco tem sua troca

De olhares e mercadoria

Que cada acento teu seu dono:

Seu Zé da Bodega e Margarida das Flores


Nem os sábios, nem os bêbados

Haveriam de compreender

Tanta delicadeza na grosseria

Tanto brilho em pedra bruta

Tanta luta disfarçada de freguesia


Mão que colhe feijão, acolhe menino

Boca que grita promoção, engole quentinha

Pé que anda na lama, vende azaléia

Sorriso sem dente, morde rapadura


É tanta cor cheirando sensações

que em algum momento embrulha tudo:

O estômago, a galinha e o presente de tia


A pimenta apoquentando o passado

Enquanto a pinga entonteia o futuro

Na roda da carroça, o presente se arrasta

O tempo é freguês antigo: não paga, não apaga

Não leva, nem se eleva. É enlevo.


Eu tenho é medo de falar da feira

E minhas memórias não agüentarem

Saírem pulando por tudo que é puleiro

Se empirulitando de vez pra minha infância

E de lá não sair por mais que eu pelejasse


Imaginem só eu ter de conduzir

No pingo do meio dia, meu suor mais sagrado:

Um balaio cheinho de lembrançarias impagáveis


Samelly Xavier, recordando - já que recordar significa "voltar ao coração"


* Respeitar direitos autorais, pra quem não sabe é:


1- Utilizar o poema ou qualquer trecho dele citando a autora e o local original de publicação (livro ou site)


2- NÃO MODIFICAR o texto original.


(Sei que parece pedantismo essa história de enfatizar sobre os direitos autorais, mas, infelizmente, já aconteceu várias vezes de eu ver textos meus circulando por aí sem autoria, ou modificado, ou como se o autor fosse outra pessoa. E isso não é apenas chato ou absurdo. É dizerem pra você que seu filho é de outra mãe.)




10 Comments:

Luisa said...

Lindo o texto novo.
Obrigada

eduardo texeira said...

Poxa, tu ja tem cara de feira, de bagunça! Daquela farra que valoriza esforço sobrevivencia e mesmo assim contempla o bom vida, revelando uma infinitude cores, cheiros e sensações!

Eu tb adoro feira, principalmente na melhor de uma companhia como vc!

Convido tu a uma visita na feira na proxima ooportunidade que estivermos proximos!

Adorei a valorização pelo esforço no ganho da vida com o melhor dela que é o SORRISO!

israel said...

Adhoro o talento da minha amiga escritora

Maria Luísa said...

Muito lindooo!

Anônimo said...

Lindo texto, vc tem uma sensibilidade que admiro e tenho: A de perceber que cada pessoa tem sua história e que, em cada uma dessas pessoas a um mundo fascinante!

ass: Lion, Seu novo leitor :)

Unknown said...

QUE LINDO :~

raianacosta said...

É impressionante a capacidade que essa mulher tem de prender a nossa atençao aos textos por ela produzidos.
Vc me inspira capacidade!!

Maria said...

Nossa, eu fiquei super feliz com o verso. Mas fiquei contente mesmo foi em descobrir outra pessoa que, como eu, adora feiras! rs

Beijinho, moça.

Perto de Mim said...

Será que um da me canso de dizer que sou sua fã?

Aline Luz said...

Adorei os versos, Sameeee!
E aquela bagunça arrumada da feira me inspira tanta familiaridade e paz... Gente metida a chique nunca entenderia! kkkkkkkkkkkkkkkk xD

Bjoamotu :*