terça-feira, 17 de maio de 2011

CONFISSÕES DE UMA SANTA DOIDA



Eu podia estar fumando, eu podia estar roubando, eu podia estar matando... Eu devia estar pagando as contas que vencem hoje, cobrando o chefe que não me pagou, lendo todos os livros pra fazer resenha ou torrando a galinha pro almoço, mas não, estou aqui escrevendo para limpar com o pano das palavras o dilúvio de sensações que se apossou de mim.

Zeca Baleiro que me perdoe, mas hoje não tive vontade de mandar flores ao delegado, senão à minha mãe, cujo senso de justiça me encanta infinitamente mais do que a afobação indisciplinada. Quanto mais o tempo passa, mais o cordão umbilical metafórico - tão comentado pelos psicólogos e chacotado pelos conhecidos - vai se perdendo e esvaindo, mas a aliança, aquela que perpassa o dedo e vai direto na veia do coração, a aliança, ah a aliança, ela fica cada vez mais forte a ponto de que o nosso quarto virou o meu quarto e o dela, e o quarto dela e o meu virou a casa dela e a minha, mas a casa dela é minha e vice-versa porque a distância não é maior do que a união. E eu nem me importo quando o clichê é verdade.

O Fato é que de ontem pra hoje eu tive uma necessidade tremenda de me apaixonar, de sentir meu coração tremendo e meu corpo em transe como se fosse desmaiar só porque ele me olhou... Eu senti uma vontade inexplicavelmente intensa de qualquer coisa: de ser lésbica, de virar freira, de viajar sozinha pela África, de lavar roupa na beira do rio. De ser eu sem agenda, de ser eu sem relógio, de ser eu, apesar da agenda e do relógio, de ser eu comandando as horas e ocupando as agendas alheias: eu quero ser o minuto do compromisso!

Cada dia mais, descubro algum segredo meu que ainda não me confessei. O último é que minha intensidade não comporta mais do que um desejo por vez. Limitação... Eu sou capaz de sorver até a última gota do meu orgasmo, mas, por favor, não me peçam pra repetir na mesma noite. Nesse momento, tem tanta coisa - boa, estranha, agradável, incompleta... - acontecendo, que minha overdose de sentimentos parece mais um caos sendo ninado na rede. Vejam bem, esse texto não é pra fazer sentido, porque ele está sendo sentido como uma mãe que pare bêbada. Não estou embriagada de vinho, nem de virtude, somente - e olhe lá! - de poesia (digo para que avisem a Baudelaire).

Pois eu queria fazer desse texto meu potpourri literário. Em épocas de twitter e 140 caracteres para fazer entender minha cara, tenho mais do que licença poética: aviso prévio de insanidade permitida. Seguinte:

Dormi numa casa incompleta, sem sofá, sem televisão, sem mãe e estava tão cansada que só senti falta do bom dia, não do boa noite. Meu despertador foi os Correios se anunciando na minha casa vazia, e eu despenteada e cochilando recebi meus livros de Carpienejar e Martha Medeiros. Acho que foi eles quem me deram tesão para me apaixonar pelo primeiro olhar que cruzasse minha esquina (que, a propósito, foi o de um beija-flor). Decidi fazer jus a minha fama de "ser de literatura". Nota explicativa: estou comprando livros como quem compra chocolate na Páscoa. E tenho recuperado o prazer de estudar não para citar três autores franceses, se não para atingir vidas. Mas o fato é que ao longo do meu frutífero e improdutivo curso de Letras sempre me perguntaram porque eu era de Literatura (leia-se escrevia livros de poesias e crônicas) e estava estudando Linguistica (leia-se, sendo cientísta da língua portuguesa) e ninguém nunca desconfiou que só quem se entrega às letras em sua efusão mais viva, pode dissecá-la e transformá-la em rato de laboratório. Todo legista deveria ser apaixonado pela vítima para puder clamar por justiça com mais vontade.

Li dois textos do Fabrício Carpinejar com o remorso de quem deveria está lendo 4 livros para escrever um projeto que não foi nem começado, mas será apresentado amanhã (ops!). Mas que remorso o quê! Comprovado sentimentalmente: Carpinejar é meu Quintana vivo!

Tomei café sozinha e eu nem tomo café, nem sozinha. Olhei minha agenda cujas linhas não estão cabendo o que eu tenho pra fazer num dia. E eu não estou sendo hipócrita, exagerada, exibida ou coisa que o valha. Vejamos, para hoje: pagar Unimed e internet; comprar um marca-texto amarelo que o meu acabou antes de terminar o livro; postar meus livros pra um professor que me enviou os seus; ir no banco pegar um documento do carro e aproveitar pra vê se meu amigo tem razão e eu fui extorquida; depositar o dinheiro alheio, ir na Unimed reclamar que a minha carência está vencida (poesia pura!), procurar saber quanto vai ficar o presente da minha sogra; escrever o projeto e os slides para a apresentação de amanhã; procurar saber nos Correios porque um livro não chegou; organizar os horários e os nomes do meu novo empreendimento. O que não cabe nas linhas é o beija-flor, nem meu sonho erótico, nem minha oração matinal, nem esse texto cujo título é baseado no nome do livro da Martha Medeiros que diz o que todo mundo já sabe: toda mulher é doida. Se não fosse doida, naõ seria mulher... Mas a lucidez, minha gente, a lucidez é um saco! A doideira, não. A doideira é uma sacola, quase uma mala, cabe de tudo, até a lucidez.

Aí, pra completar, minhas filhas da infância vão casar esse ano e eu estou na crise dos 60 em plenos 20 e poucos. E a tecnologia é uma merda sem tamanho, porque ela fica piscando na tela do computador que você é humano. Por isso eu mandei uma mensagem de parabéns para meu amigo-irmão, por isso que eu escrevi no Facebook as congratulações ao casamento do meu pequeno sorriso. Por isso que meu coração sentiu um troço bom quando a desconhecida me adicionou dizendo que lê isso aqui e que nunca mais eu escrevi e lá vou eu, como diz o Orkut, dar satisfação a quem não conheço sobre a famosa falta de tempo...

Eu queria escrever esse texto para sempre, mas minha mãe ligou agora dizendo que vem buscar a tábua de carne. E ele ligou agorinha e eu perguntei onde ele ia almoçar, e ele respondeu: "aonde você for, eu vou também". E eu sei que ele estava falando do almoço,mas eu prefiro acreditar que era sobre a vida.

Que ninguém ouse me acarinhar hoje! Se não vai receber abraços recitados mesmo!

Eufórica,
Samelly Xavier