terça-feira, 13 de abril de 2010

NA PONTA DA LÍNGUA!


Chega de fazer fumaça, de contar vantagem
Quero ver chegar junto pra me juntar
[...]
Quero beijos sem tréguas
Quero sete mil léguas sem descansar

(Da música Cabide, de Ana Carolina)

E quando eu finalmente te entregar os meus lábios não o estrague com sua lábia. Não fale qualquer coisa que possa ferir o deleite do meu olho fechado. Quando muito, procure palavras na ponta da minha língua. Tire-as uma por uma. Eu deixo. Mas abrace-as com saliva.

E quando finalmente seu olhar parar de me morder e seu lábio piscar no meu, respeite o silêncio necessário. Este silêncio que parece um beijo de estrela no céu da boca. Suspire, ofegue, mas não comente. Não precisa ser bilingue, nem entender de anti-corpos para misturar línguas e corpos.

Primeiro morda seu lábio para que eu tenha a senha de saber que seus dentes queriam esbranquecer em mim. Depois abra um sorriso-convite. Não, não me importa se estamos na praia ou no portão da minha casa. Se a parada de ônibus está cheia de estudantes querendo almoçar ou o trânsito da lua está congestionado. Nem me interessa saber quantos lábios estão guardados em museu dentro de ti. Porque minha boca vai ser servida com frescor de novidade, saída do forno dos desejos preconcebidos.

Eu sempre me assustei quanto às receitas de um beijo. Saber que bocas solitárias não passam de palavras soltas. Acreditar que em estado de mistura elas causam uma química irrepetível. Que vai desde mero exercício bucal até o arrepio mais surpreendente no meio da alma.

E se me permite a inocência atrevida, quero teu beijo só quando ele for nosso. Quando cansados de pressupor, nossos sorrisos virem um só. Neste caso - e somente nesse caso - beije-me das pontas das unhas aos brilhos dos olhares. Quero beijos que me devorem a ânsia de querê-los. Não quero um beijo longo, cheio de minutos. Quero um beijo demorado, desses que duram para sempre.

Samelly Xavier, por motivos que não cabem nos lábios

segunda-feira, 5 de abril de 2010

CICLOS E OUTROS CICLOS

Esse texto é de Marília Cacho,
por me deixar fazer parte dos seus ciclos.
De Pedro Netto, por ser meu mais novo velho amigo.
E de Rayssa Raquel por ter me dito coisas bonitas e estimulantes
quando eu estava com preguiça de escrevê-lo.

Chuvas e lembranças têm em comum a possibilidade de trovejar o tempo. Já o néctar do sol me avisa, pelo arco-íris, que tudo que brilha é Midas sim: tudo que o sonho toca, vira ouro. Às vezes, o sol se esconde – e persiste – só para os olhos resolverem guiar-se pelo alto. E isso é tão bonito que até o sol se esconde pra não ofuscar.


O ciclo da natureza é tão exato, e repetidamente inédito que os amores chuvas de verão passam rápido mesmo, como também passa - embora mais lenta - a pouca fertilidade que o solo, voando areia pelo ar pode conceber. A Mãe Natureza é tão exata que seus ciclos são os mesmos e sempre inédito: nascer, crescer, renascer, na mais perfeita metamorfose, que como bem lembra os trocadilhos têm o amor em seu meio.


São nove meses pra nascer. São três meses pra ser contratado. São 21 anos pra lei admitir que aumentou o tamanho do seio e do juízo. São 50 anos pra fazer bodas. São 28 dias pra eu me desmanchar em vermelho. São 5 dias de trabalho, 2 de lazer. São 12h de sol e 12 de lua, exceto nos minutos de eclipse pré-planejado. Tudo tão certo: preciso e precioso.


E ciclos à fora, cada qual se perde no labirinto pessoal, porque os caminhos são sempre interrompidos pelas pisadas alheias. Há quem lembre de mim nas ruas de Zurich, há quem lembre de mim na montanha de Aspen. Há quem se esqueça de mim na mesa ao lado. Há quem nao me conheça, mesmo dividindo travesseiros comigo. Ciclos são exatos como a direção de um olhar. Sonhos são inexatos feito olhar pra dentro de si. E mesmo havendo quem discorde de mim, eu continuo achando que a cada ciclo, é fundamental saber o que se deseja dele. Pelo menos, se não se realizar, a gente tem argumento pra reclamar do destino. Mas não adianta reclamar do destino, me lembram os sensatos. Mas não adianta fazer só o que adianta, me lembra meu labirinto pessoal. Há vezes em que para se achar o caminho é preciso quebrar o labirinto, mesmo correndo o risco de ser inudada de poeira e metralha. E se de nada adianta, pelo menos de tudo faz retroceder. E às vezes a gente só adianta quando aprende a retroceder. Mesmo correndo o risco de caminhar entre destroços. O que em nada me comove é não saber para onde ir. Eu sei. E, afinal, a gente sempre sabe, mas às vezes é melhor fingir que não.


Nunca me senti agradavelmente tão velha. E acabo de pensar que faz todo o sentido. Hoje estou o mais velha que estive em toda minha vida! Amanhã fará de hoje um dia jovial. E por me sentir o mais velha possível, nunca me senti igualmente tão inédita.Tão inédita e precocemente cansada.


O irrepetível do instante anda se impregnando em mim com um gozo inexpressável. Um gozo de dor. Forço, é verdade, a naturalidade do olhar infantil de outrora. Empurro sonhos goela abaixo. Minha goela, não mais as alheias. Cada qual que se entale do que se quiser preencher.O exercício diário de me reencantar pela vida é apurado por esse vai-e-vem chamado recordações e expectativas, pela possibilidade de tudo que está por vir e pela integridade de tudo que já foi vivido.


Há momentos em que tudo isso cansa, como se os ciclos fossem mera repetição repartida: agora é hora de sorrir para a câmera, mais a frente é hora de lacrimejar na rede. Mas que nada! É só a natureza (de mim, inclusive) se refazendo pra nova colheita. E o sabor do fruto, por mais reconhecido, é sempre outro. E quem disse que a gente só sente salgado ou doce, amargo ou azedo, esqueceu de contar com a astúcia das línguas misturadas. Que a cada novo ciclo, eu possa (e saiba) me lambuzar feito criança, mas sem esquecer de manter o vermelho agridoce do meu batom preferido.


Samelly Xavier, reaprendendo a usar metáforas