quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

A MÁ FAMA DOS POETAS


A má fama dos poetas

Só um não-poeta diz o que é ser poeta.
Um poeta se assusta quando assim o chamam.
Palavrinha besta, estéril, muito desgastada.
Um sonhador, um avoado, um contador de estrelas fáceis.

Só um não-poeta sabe, de fato, o que é ser poeta.
Um poeta que é poeta se amedronta com esse nome.
Matéria prima de seu work: word.
(Oh, God!, Make the wor(l)d and the wor(l)d made itself)

Só um não-poeta teoriza sobre o fatigado poeta
Um poeta de verdade está ocupado em ser poeta, não cria teorias.
O eterno e etéreo amor se concretiza no poeta.
(qualquer que seja ele: o poeta, o amor...)

Só um não-poeta categoriza, classifica, caracteriza um poeta.
Um poeta é atropelado todos os dias e ninguém vê.
Ah, é claro, e há os que estão poetas.
Cinco minutos de coma patético/poético que todo mundo carece/merece.

Só um não-poeta tem seus momentos de se sentir poeta.
O desgraçado, entregue, subordinado e dependente poeta
não consegue a impercepção necessária a manutenção da constância.
O poeta não consegue, e nem se atreve a tentar, ser indiferente

Um poeta vê com o cheiro daquilo que é tátil.
E se cala até que um outro poeta indescoberto
o desvende num vendido livro qualquer.
Abrem-se suas páginas e vêm a tona, novamente, suas verdades preto e branco.

Samelly Xavier


(do livro ETC - Tecnograf Editora, 2007 - favor respeitar direitos autorais)

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

NOVIDADES ANTIGAS


Gente, de épocas em épocas minha cabeça fervilha de idéias. Se não as jogo pro mundo é bem capaz de eu explodir e sobrar gotas de Samelly ecoando em risadas por tudo que é canto de parede.

Pois bem. O blog antigo (http://saoseusolhos.blog.terra.com.br/) só vai continuar a existir para caso alguém me visite por lá saber que me mudei pra cá. Todas as postagens foram apagadas e mui bem guardadas em cd's, pastas e recordações. Isso porque boa parte dos seus textos virarão um novo livro que será parido daqui a alguns muitos meses pela frente. Isso é assunto para outra prosa no portão.

Por enquanto, deixa eu brincar de numerar: foram - ao longo de quase 2 anos - 178 postagens, 1.171 comentários, 4.81 MB utilizado de um espaço de 30MB, ou seja, 16% do disponível. Tudo isso são informações que o blog terra oficial me disponibilizou

Informadas as mudanças de blog's, outra conversa: campanha ESQUEÇA UM LIVRO PARA ALGUÉM http://esquecaumlivroparaalguem.blogspot.com/. A princípio achei que tinha tido uma idéia inédita, mas foi pura falta de informação. Graças a Sidney Andrade http://www.sidneyandrade.blogspot.com/ descobri que isso tinha nome - bookcrossing - e que era uma prática já um tanto quanto comum em países europeus. Mas não estou na Europa e dei meu jeitinho brasileiro na tradição. A partir de hoje, começo a esquecer livros meus por aí e em anexo vai um texto (que vocês podem ler na íntegra no link acima) explicativo que diz minha intenção: não apenas que alguém leia o livro e o esqueça de novo, em outro lugar, mas que a pessoa que encontre o livro, adote-o, leve-o pra casa e se comprometa a esquecer um outro livro, para outro alguém, em outro lugar.

Espero que topem a idéia e que eu venha sempre aqui dizer como esquecer pode servir para encontrar.

Com carinho e sonhos,
Samelly Xavier

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

SÓ PODENDO


Dia desses, eu me apaixonei muito, mais muito mesmo e dei o fora porque sabia que aquela paixão toda só podia não ser paixão. “Não é estranho que o homem da minha vida apareça justamente na minha vida?”, vi isso num filme fantástico “A dona da história” e achei tão certo que só podia não ser certo.

Foi na mesma época que me promoveram no trabalho, ganharia quase o dobro do que ganhava. Adivinhem? Pedi demissão. Era tanto dinheiro que só podia não ser mesmo dinheiro.

Aí eu fiquei sem amor e sem salário. Resultado? Fui num psicólogo que me disse quase as mesmas coisas que a cartomante tinha dito: que era só uma fase, que eu ainda ia ser muito feliz. Fiquei tão aliviada que só podia não aliviar. Tanta sorte assim só podia não ser sorte.

Saí determinada a conseguir outro emprego e outro amor e só podia não conseguir.
Estava eu, em minha busca, quando aconteceu algo que estragou tudo: me chamaram pra trabalhar. Por que justo eu? Com tanta gente desempregada, qualificada, acharam de garantir a vaga logo pra mim? Era tão fácil que só podia não ser fácil. Era tão arriscado que só podia não arriscar.

Conheci um cara que, de cara, se apaixonou por mim, queria até casar. Esquisito que com tanta mulher no mundo, ele quisesse se casar logo comigo. Foi isso que eu lhe disse, e ele me falou que eu era diferente. Pensei: se eu sou diferente e todo mundo é diferente, então eu era igual a todo mundo em ser diferente. Isso era tão simples que só podia não ser simples. Assim lhe disse um não mesmo querendo dizer sim. Só que quando eu quis dizer sim, achei que já tinha passado a vontade e era melhor dizer não. Era tanto desejo que só podia não ser desejo.

Você deve estar pensando que eu só posso ser maluca, e na verdade só por isso eu não sou. Porque se você parar pra pensar, e só por isso, não vai, eu faço as mesmas coisas que voe. Porém quando você faz, acha tão normal que só pode não ser.
E por isso tudo, pra me consolar, resolvi escrever esse texto. Mas ele é tão besta que só pode não ser besta, e por isso dá uma vontade de rasgar e eu só posso não rasgar.

Fico eu aqui, perdendo tempo enquanto você não vai nem entender e só pode.

Samelly Xavier


* Crônica publicada no livro "Universo: o verso une" (RG Editora, 2005 - favor respeitar direitos autorais)