quinta-feira, 11 de março de 2010

SOBRE AS HOMENAGENS


Há uma diferença básica e crucial entre identificação e reconhecimento. E sempre tentei distinguir muito bem essas duas coisas para não me dececpicionar mais do que já tenho facilidade. Sim, é sempre bom (mais pra i.d que pro ego) ser reconhecido, mas é muito, muito melhor ser identificado. Explico: reconheço, por exemplo, que os guitarristas das bandas de rock "pesado" são excelentes músicos, fazem com 6 cordas o que eu não faria com 60. Reconheço, porém não me identifico. Não iria nunca a um show deles.

Reconheço a poesia clássica de Olavo Bilac, ou a contribuição histórica do governo de Collor. Reconheço a importância da ciência estudar à exaustão o que, para o senso comum, é óbvio e claro. Reconheço, mas não daria minha vida por nada disso.

Se me perguntarem porque escrevo, além de uma necessidade indescritível de expressão, esse seria o ponto, a grande sacada: escrevo muito mais para que alguém lá do outro lado da página, lá onde minha palavra foi parar, se identifique comigo. Mesmo que não reconheça meu (cof, cof) talento. Mesmo que a (cof, cof) crítica não me reconheça a melhor (cof, cof) poeta do século. Mesmo que meus (cof, cof) livros não ganhem, em reconhecimento ao meu trabalho, o (cof, cof) prêmio da vez.

Escrevo para que eu e o leitor suposto nos assustemos ao saber: eu, que ele sentia igual a mim; ele, que havia um correspondente do sentimento dele fora dele. Escrevo, pois, muito mais para as mãos entrelaçadas do que para os aplausos. O que não quer dizer - é claro - que o reconhecimento não tenha lá seu charme blassé.

Toda homenagem, no seu sentido mais restrito de condecorações e manifestações de apreço ao senhor diretor, tem muito mais a ver com reconhecimentos do que com indentificações. Ano passado, os alunos do 5º ano do ensino fundamental da escola onde estudei a vida quase toda (inclusive o meu 5º ano do ensino fundamental!) me prestou uma homenagem, com direito a entrevistas, fotos e recitações dos meus poemas por vozes doces e zelo indescritível da professora Adriana. Eu ainda não me sinto preparada para transformar em palavras tudo o que senti naquele dia. Mas de já adianto: o que me fez derramar lágrimas, sorrindo, não foi os "autógrafos", nem os tchaus de miss que faziam parte da situação. Foi a i-den-ti-fi-ca-ção daquelas crianças com alguns dos meus textos. As risadas que davam com meus trocadilhos infames, a curiosidade sobre minhas paixões a cada poema "de amor" por eles lido... A melhor parte de toda aquela sala, pintada de vermelho cor de gargalhada, era quando cada menino e menina de lá me procurava dizendo: "ei, eu adorei esse teu poema aqui", "esse teu texto me lembrou uma vez que eu...". Isso é impagável, indescritível e por mais clichê ou paradoxal que pareça não cabe em palavras...

Amanhã, às 8h30 estarei em outro colégio, no CAD convidada pelo colega de profissão Fábio Rolim para encerrar a "Semana da Poesia". Espero mesmo não encerrá-la, mas prorrogá-la por mais quantas semanas aguentarem ver a beleza de enxergar além da vitrine de cada palavra. Novamente, não o reconhecimento, mas a identificação pressuporá fortes emoções. Uma já de cara inefável: os alunos que estarão me "estudando" são hoje alunos da minha ex e amada professora Grace Cordeiro. É nessas horas em que eu mostro ao tempo quem é que manda. Imaginem só: uma das maiores responsáveis por eu ter querido ser professora estará orientando e organizando seus alunos para me prestarem uma homenagem. Não sei ao certo o que estão "aprontando" por lá, mas não precisava de mais nada. O enredo por si só já é bonito demais. Além de Grace, minha querida professora da quinta série, Janete França, também estará por lá dividindo abraços conosco, certamente.

Que amanhã ou em quantas "homenagens" ainda vierem, não me falem de rimas ricas porque não sou burguesa, nem da qualidade estética dos meus textos porque não sou arquiteta. Que não me deem parabéns por nada demais. Que se tiverem de me parabenizar seja por verem em mim o que - muito além de selo de qualidade - é espelho no olhar sorridente alheio. Porque a maior homenagem que se pode fazer a alguém é querer-lhe bem, de forma espontânea e apartidária.

Samelly Xavier, escolhendo seu Oscar

6 Comments:

Edmilson Almeida. said...

Engraçado como cada um tem o seu motivo para fazer o que faz, cada qual tem - e bem fundamentado - o seu próprio "motivo justo".

Uns trabalham por dinheiro, outros por pura satisfação pessoal, outros por status, outros por "não ter coisa mais interessante"; há, ainda, os que não trabalham (seja lá por que motivo for).

Os que gritam acham que tem direito de falar o que quiserem e quando ou quanto quiserem, outros gritam porque precisam ser ouvidos urgentemente (seja por dor, seja por autoridade), outros porque não aprenderam outra maneira de expressão; há, ainda, os que não gritam (seja lá por que motivo for).

Há os que se atrasam... os que dormem demais... os que gostam (e não gostam)... os que preferem futilidades... os que criticam os que preferem futilidades...

Por sermos assim, às vezes colocamos a culpa na natureza; às vezes, na genética; às vezes, no meio social; às vezes, nas experiências pessoais; às vezes pensamos que podemos mudar e, às vezes, que morreremos daquele jeito.

Por isso, é muito bom saber que Samelly sabe porque faz o que faz! E ainda, é "muito mais de muito bom" saber que o motivo pelo qual ela faz o que faz não está exclusivamente nela mesma. Não que ela seja um anjo ou um ser iluminado, diferente de mim ou de qualquer outra pessoa, mas porque ela tem consciência.

Obrigado, Same, por fazer o que faz com um propósito digno de existir.

Unknown said...

Pra quê Oscar se vc já tem um jardim de gargalhadas regado por uma menina dos olhos cheios de lagrimas?

aluah said...

Exímio como tudo o que escreves sai como poesia!

Ana Lucia Franco said...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ana Lucia Franco said...

Oi Samelly,

Convido-te a conhecer meus blogs recém criados. Sou fã dos teus poemas e, tempo desses, li o da página inicial do orkut, que me arrebatou.

bjs.

Maria Luísa said...

Me identifiquei com tudo agora. Quando leio seus textos e de outros autores tambem,tenho certa dificuldade de analisar a estetica e de fazer criticas,pois pra mim o que vale no texto é se ele me "toca". A critica sobre se esta bem feito ou não fica bem por ultimo.Não leio textos pra parecer culta,leio pq as vezes só os textos me entendem.