terça-feira, 26 de maio de 2009

Amor em vibra-call

Para o Mister M.


Seja por tecnologia ou metáfora lírica, amar pode ser bem comparado aos perfis de um celular. Aliás, é pelo celular que, enquanto aguardamos o céu e o luar, conversamos suspirando fone no fone, feito fosse olhos nos olhos.

Sempre amei no perfil ALTO com medo de o amor tocar e eu não ouvi-lo. O que não me dei conta foi que o escândalo do toque fere ouvidos alheios quando na verdade a ligação era pra mim. P-r-a m-i-m!!!!! No perfil ALTO, cada tecla faz um barulho diferente; cada toque tem seu som. É sinestesia brincando de tesão musical . Pois bem... Parece bom, mas é exagerado. É a eterna confusão humana em misturar intensidade com excesso... A primeira deve ser calmaria e fortaleza; o segundo é escândalo e fragilidade. O resultado foi que, no meu caso, o amor não era cego: era surdo e o era não por genética, mas por lesão adquirida. Os sons em barulho crescente se tornam, pois, ensurdecedores. O celular não suporta, explode e há de se adquirir nova bateria...

Por extremo e pra continuar a metáfora lírica, passei, então, a amar no SILENCIOSO. Como eu já havia previsto desde os tempos do perfil ensurdecedor, o amor chamou, chamou, chamou e eu não o ouvi. Sequer o vi brilhando e piscando com olhinhos infantis. Como Chico e os de olhos verdes sabem, eu era apenas uma mulher... Que, para completar, estava de óculos escuros e bolsa grande. Mulheres de óculos grandes e bolsas escuras tendem a esquecer o céu e o luar. Resumindo: ligação perdida não conta para laços afetivos. Tentar retornar a chamada, só frutra: dá ocupado ou desligado. Porque, ao contrário do que nos ensinaram os filósofos, o amor tem pressa e quando não atendido de imediato, ocupa-se em outros afazeres (até mesmo em deixar de ser amor) ou se desliga (troca o perder o fôlego pelo ficar fora de ar...)

Cansada, finalmente, da parafernalha tecnológica e poética, passei a amar no perfil GERAL. Lá, tanto fazia o toque ou quem me ligava. Não era exagerado como o aaaaaaaalto; nem inexpressivo como o (silencioso). Era padrão, como se sabe, e, aparentemente servia tanto para as reuniões do fim do dia, quanto para os sutiãs pendurados do começo da noite. Mas sofria do mal da mediocridade. Quantas vezes a ligação era pra outrem e eu procurava, no peito, meu céu e o luar pensando que era pra mim! Celular muito usado quebra fácil, porque, como nos ensinaram os marketeiros, eles não foram feitos para durar, e sim para devorar. Devorado, não sobra os ossos, sobram as pilhas sem energia.

Como eu sou insistente e devoradora de vozes bonitas - e para completar a metáfora - creio, agora, estar no caminho certo: amar-querer-sentir-desejar em vibra-call me parece, enfim, o mais adequado. Sem o grito do aaaaaaaaaaalto; sem a inexpressividade do (silencioso) e, muito menos, sem a apatia do GeRaL. Amar no vibra-call é sentir tremores, sem a necessidade de justificá-los para qualquer vizinho. O tremor é seu, você que o atenda e se entenda com ele! Depois de atrevimentos e inexperiências, acho que cheguei onde eu queria: quando vibra (o peito ou o seio) eu sei que é ele!

Samelly Xavier, fazendo um DDD

sábado, 9 de maio de 2009

SE NÃO EXISTISSEM AS MÃES...

...eu seria uma ateia fervorosa, pois acredito piamente que todo o amor de Deus está guardado dentro de um coração materna


à Lourdes, minha mãe

Se um dia eu for canção

Tu me ninaste a melodia


Se um dia eu for realidade

Tu soubeste me ensinar a sonhar


Se um dia eu for história

Tu foste o início de tudo


Se um dia eu for sorriso

Tu, certa vez, me enxugaste as lágrimas


Se um dia eu for exemplo

Tu sempre o foste


Se um dia eu for feliz

Será graças às tuas bênçãos de todas as noites


Se um dia eu for lembrança

Tu te farás saudade

E o abraço será nuvem

O beijo tornar-se-á chão


Se um dia me chamarem de mestre

Meu conhecimento proveio de tua humildade


Se um dia eu for aprendiz

Tu me disseste que o somos, eternamente


Se um dia eu for mérito

Nem desconfiam que tu que és


Se um dia eu não corresponder às expectativas

Só tu, eu sei, estarás ao meu lado

Com o olhar de guerreira pacifista que é só teu


Se um dia eu for poema

Serás continuamente minha rima


Se um dia eu for amor

Finalmente serei também mãe


E ao ser mãe, não serei tu

Mas me espelharei no que és pra mim...


Tu com essa mania de poetizar a vida

Com esse jeito audaz de vencer modelos

Com essa perseverança inesgotável

Com esse amor universal

E essa alma resplandecente, que me irradia e me faz feliz


O meu melhor verso será o não escrito

O verso mais poético é quando te olho e nos vejo mãe


(poema publicado no livro OUSADIA - RG Editora, 2003 - Samelly Xavier)

domingo, 3 de maio de 2009

SONHANDO SONHOS

Hoje é domingo e choveu na minha janela. Choveu no meu olhar. Por ser domingo, talvez. Por ser o dia que cabe limpar os armários e arejar as janelas. Também os olhares.

Em suma, ou eu chorei porque choveu ou o céu lagrimou por eu ter chovido. Mas não sejamos vítimas dos clichês enraizados, porque meu choro foi emoção. E se emocionar talvez seja só uma forma de reconhecimento: ver no outro o que se é. Pois que seja.

Se nunca foi beijada, seus lábios distribuem afeto ao se moverem, em sorriso ou em cantoria. Se serve de ibope para programas água com açucar, serve mais para adoçar os ouvidos, fazendo-nos repensar e sentir agudamente.

Eu não sei se por ser domingo, se pela chuva ou pelos miseráveis relembrandos na canção, mas a "Nova Cinderela", como ficou conhecida, tocou meu coração de tal maneira que o clichê se desintegrou tal qual os pré-julgamentos aos quais assistiu em tom de sorriso infantil.

As luzes do palco não combinam com sobrancelhas por fazer, é bem possível. Do mesmo modo que os olhares desconfiados não combinaram com a explosão de aplausos. Quem sabe algo sobre mim, sabe que o idioma inglês não me apetece a língua, nem os ouvidos, mas ao ouvir Susan Boyle entoar o clássico musical que retoma "Os miseráveis" de Victor Hugo (um dos primeiros livros a me apunhalar a existência) não ouvi línguas, nem lábios; ouvi os sonhos, afinandos na melodia de quem não tem medo do ridículo, porque ridículo mesmo é quem prevê sensações. O coração não pulsa duas vezes no mesmo ritmo e as surpresas não vêm de fora, vêm da alma. É na alma, apenas, que moram as tais caixinhas de surpresas. Susan era a surpresa. O palco, a caixa.

Susan Boyle, com seu desengonçamento, sua ingenuidade, suagauchice (pra lembrar Drummond) e maestria fez simplesmente o óbvio complicado de cada dia: ela foi quem é. Foi pulo, chacota, tremor, sentimento e alma, muito alma convertida em notas musicais que preenchem olhos e ouvidos e transbordam chuvas, como a do meu olhar deste domingo à noite.