quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

ÍRIS-ARCO-ÍRIS


Para Sidney Andrade (P. Sherman)

Muito se fala das retinas, mas é a íris que faz você ser meu menino dos olhos. A íris é o arco-íris. O arco-íris no qual a gente anda feito caminhasse, e caminha feito voasse - realizando nosso antigo sonho de Ícaro ser.

Ainda ontem - lembro como se fosse hoje - eu te dizia que não estava gostando do que andava escrevendo. Daí você, solidariamente egoísta, me inudou de seus escritos. E mesmo inudada,e talvez por isso, eu caminhei. Vi gangorras e pôr-do-sol por onde eu fui. E só visitei às estrelas para lhe acompanhar.

Hoje, por exemplo - sinto como se já fosse amanhã - eu não estava disposta a escrever nada. A arrancar nenhum sentimento, forçando-o a virar letra registrada. Hoje, preferiria o silêncio de tanto que já ouvi, li, vomitei e embalei tanta felicidade desejada por conta do novo número. Não havia espaço mais, em mim, para qualquer tentativa literária. Só se eu escrevesse no escuro e as rimas saíssem pela culatra. Assim o fiz. Naquela tal escuridão branca que você sabe melhor que ninguém.

A felicidade me deixou entediada. É tanto dinheiro no bolso, tanta saúde pra dar e vender que o dinheiro no bolso só pode ser pra comprar saúde. Por analogia. Ou por falta de opção. Sei lá!E parece que a paz não cabe, que a paz não entra na lista de compras do cartão de crédito. A paz é muito metida. Ela só está quando não a desejamos. Desejar é sinônimo de não possuir, já nos ensinariam os taoístas.

Por sinal, foi você a última pessoa - lembro também da primeira - a me dizer com um sorriso noturno de melancolia (que mal há?) o quão romanticazinha eu tenho sido. E o que sobra de mim se me tirarem a carcaça dos sonhos? Sim, porque confundem a época literária do azedume francês com suspiros de desejos antigos. Sobram, pois, os cabelos de Augusto dos Anjos. Sem piada nem gargalhada póstuma. Eu quero sonhar sem medo de parecer ridícula. E realizar sem necessidade de justificativa. Não tem quando ter é o de menos?

Decidi escrever hoje só porque te li. E decidi escrever logo antes que eu não quisesse mais. Ando querendo sem querer. Caminho sobre os meus quereres e piso os sonhos. O mais engraçado é que, ao contrário do esperado, eles não se arrassam, nem fracassam. Eles viram sumo. Feito meus sonhos fossem vinhos. Viram essência e eu me sinto feliz - quer desejem, ou não.

Eu poderia dizer que quero estar por perto para aplaudir seu sucesso. Mas, para além do clichê, isso é pouco pra mim que sou tão muita - como você me diz e me ajuda a lembrar já que sou tão muita esquecida. Eu quero estar no instante. No cedo e no tarde de cada teu instante. E quando eu aparentar ter sumido, fecha os olhos e acompanha tua íris arco-íris. O tesouro é nossa amizade poli-amada. No final de cada começo. Feito o deste texto feito neste ano.

Samelly Xavier, por ter lido "Mais cedo ou mais tarde"

*Fotografia de Marília Cacho

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

PRIMEIRO SEGUNDO

(Poema - por enquanto - ainda inédito. Feito há exatamente um ano e com a mesma validade de então)

Primeiro segundo

As últimas batidas

Dos carros e dos relógios

As últimas baladas

Das rimas e dos discos


O último cigarro

A última cigarra

A fumaça e o barulho

Que o vento leva

l...i...v...r...e...m...e...n...t...e...


O último ovo mexido

Os últimos clarões

As últimas carícias

Os últimos gemidos


O último drink

Cool

In: outdoor

O último estrangeirismo

What...ever...


Os últimos pecados

As últimas maçãs

O último rosto de Eva

Em oração para Ave


Os últimos vôos

As últimas varandas


As últimas meias:

penduradas no ponteiro

Ou no primeiro andar

(Ah,os primeiros andares cambaleantes...!)


Os últimos rumores

Os últimos rubores

Os últimos rumos:

À face, os léus e as luas


Os últimos: bah!

Os últimos: por quê?

Os últimos recém-nascidos

Os últimos reféns suicidas


Os últimos aplausos claustrofóbicos

Os últimos dedo-mindinho-seu-vizinho

Os últimos amorzinho-amiguinho

Os últimos inhos cantarolados em ão


Os últimos mendigos

As últimas prostitutas

As últimas calçadas quebradas


As últimas palavras expressas

As últimas letras impressas

As últimas pressas em dizer

As últimas urgências urgentes


Os últimos interruptores acesos

No último segundo interrompido

Garantindo, incessantemente:


Nov’ano

Tod’ano


Piscando:

Tudo igual só que diferente


O tempo inédito e óbvio

como uma casca de fruta

Que se abre que se lembra

mas não se sabe

o sabor

Samelly Xavier

sábado, 20 de dezembro de 2008

NOS MEUS OLHOS, É REFRESCO


Meus olhos são comestíveis e não têm prazo de validade. Aprendi a comer primeiro pelos olhos. Mas não se enganem... Eles não sabem devorar. São de uma timidez vermelha e ecoante. Espalho vermelho pelos poros e fecho ou abaixo os olhos quando não sei reverenciar.

Meus olhos são sempre quentes e quando recebem gelo viram fumaça. Meus cílios abanam labaredas, e quando eu pisco sinto calor.

Meus olhos estão sempre diante de uma loja de doces. Mesmo nos velórios a que nunca fui. Sempre arregalo os olhos pensando em cada possibilidade absurda que posso extrair da obviedade mais piegas. Eu gosto da intensidade, mas não do exagero.

Meus olhos são assustadores pros conformados; e exibidos pros infelizes. Pros amigos, são pevisíveis. Eu ainda preservo uma criança incoveniente dentro do meu olhar. Gosto de correr riscos, de tocar sentimentos, de sentir o cheiro das vontades, de experimentar lamber o pecado. Só não gosto de me esconder-esconder.

Ao contrário do esperado, não gosto de ser o centro das atenções. Eu gosto muito de ser a circunferência das atenções. Estar ao lado. Abraçar ilimitado. Ser alegre pela piada alheia.

Ao contrário do esperado, não gosto de sexo três vezes por semana. Eu gosto mesmo é do amor de cada estalo de dedo. Do sorriso contemplativo dos velhinhos nas praças; do sorriso banguela das crianças nas janelas dos ônibus. Eu gosto de sentir o amor como uma afinidade sem possibilidade de medição. O amor enquanto febre alta e delirante. Não entre quatro paredes, mas entre os quatro pontos cardeais. Amar todas as estradas áridas e férteis de todo o mundo que cabe na geografia da minha alma.

Ao contrário do esperado, meu olhar é o que menos importa. Porque eu sou o que me enxergam ser. Tenho tantas versões para mim que só dirigindo um submarino lunar eu conseguiria contá-las.

Sou egoísta em coletivo. Gosto de saber o que faz com que as pessoas que eu gosto, gostem de mim. Há pessoas cujo gostar é um troféu. Há também aquelas que nos ofendem por nos gostar. Somos nocauteados por gostares que nos fazem pensar: que tipo de pessoa eu sou pra aflorar um gostar em alguém assim?

Ao contrário do esperado, este novo começar (ou seria continuar?) é sobre seus olhos, não sobre os meus. Porque eu espero ser vista. Não como quem eleva as mãos para aplaudir. Aplausos estão fora de moda. Eu quero ser vista por mãos que se entreleçarão em mim, fazendo-me seguir adiante. Para onde? Para onde nossos olhares alcançarem...
Samelly Xavier, olhando novos olhares