segunda-feira, 5 de abril de 2010

CICLOS E OUTROS CICLOS

Esse texto é de Marília Cacho,
por me deixar fazer parte dos seus ciclos.
De Pedro Netto, por ser meu mais novo velho amigo.
E de Rayssa Raquel por ter me dito coisas bonitas e estimulantes
quando eu estava com preguiça de escrevê-lo.

Chuvas e lembranças têm em comum a possibilidade de trovejar o tempo. Já o néctar do sol me avisa, pelo arco-íris, que tudo que brilha é Midas sim: tudo que o sonho toca, vira ouro. Às vezes, o sol se esconde – e persiste – só para os olhos resolverem guiar-se pelo alto. E isso é tão bonito que até o sol se esconde pra não ofuscar.


O ciclo da natureza é tão exato, e repetidamente inédito que os amores chuvas de verão passam rápido mesmo, como também passa - embora mais lenta - a pouca fertilidade que o solo, voando areia pelo ar pode conceber. A Mãe Natureza é tão exata que seus ciclos são os mesmos e sempre inédito: nascer, crescer, renascer, na mais perfeita metamorfose, que como bem lembra os trocadilhos têm o amor em seu meio.


São nove meses pra nascer. São três meses pra ser contratado. São 21 anos pra lei admitir que aumentou o tamanho do seio e do juízo. São 50 anos pra fazer bodas. São 28 dias pra eu me desmanchar em vermelho. São 5 dias de trabalho, 2 de lazer. São 12h de sol e 12 de lua, exceto nos minutos de eclipse pré-planejado. Tudo tão certo: preciso e precioso.


E ciclos à fora, cada qual se perde no labirinto pessoal, porque os caminhos são sempre interrompidos pelas pisadas alheias. Há quem lembre de mim nas ruas de Zurich, há quem lembre de mim na montanha de Aspen. Há quem se esqueça de mim na mesa ao lado. Há quem nao me conheça, mesmo dividindo travesseiros comigo. Ciclos são exatos como a direção de um olhar. Sonhos são inexatos feito olhar pra dentro de si. E mesmo havendo quem discorde de mim, eu continuo achando que a cada ciclo, é fundamental saber o que se deseja dele. Pelo menos, se não se realizar, a gente tem argumento pra reclamar do destino. Mas não adianta reclamar do destino, me lembram os sensatos. Mas não adianta fazer só o que adianta, me lembra meu labirinto pessoal. Há vezes em que para se achar o caminho é preciso quebrar o labirinto, mesmo correndo o risco de ser inudada de poeira e metralha. E se de nada adianta, pelo menos de tudo faz retroceder. E às vezes a gente só adianta quando aprende a retroceder. Mesmo correndo o risco de caminhar entre destroços. O que em nada me comove é não saber para onde ir. Eu sei. E, afinal, a gente sempre sabe, mas às vezes é melhor fingir que não.


Nunca me senti agradavelmente tão velha. E acabo de pensar que faz todo o sentido. Hoje estou o mais velha que estive em toda minha vida! Amanhã fará de hoje um dia jovial. E por me sentir o mais velha possível, nunca me senti igualmente tão inédita.Tão inédita e precocemente cansada.


O irrepetível do instante anda se impregnando em mim com um gozo inexpressável. Um gozo de dor. Forço, é verdade, a naturalidade do olhar infantil de outrora. Empurro sonhos goela abaixo. Minha goela, não mais as alheias. Cada qual que se entale do que se quiser preencher.O exercício diário de me reencantar pela vida é apurado por esse vai-e-vem chamado recordações e expectativas, pela possibilidade de tudo que está por vir e pela integridade de tudo que já foi vivido.


Há momentos em que tudo isso cansa, como se os ciclos fossem mera repetição repartida: agora é hora de sorrir para a câmera, mais a frente é hora de lacrimejar na rede. Mas que nada! É só a natureza (de mim, inclusive) se refazendo pra nova colheita. E o sabor do fruto, por mais reconhecido, é sempre outro. E quem disse que a gente só sente salgado ou doce, amargo ou azedo, esqueceu de contar com a astúcia das línguas misturadas. Que a cada novo ciclo, eu possa (e saiba) me lambuzar feito criança, mas sem esquecer de manter o vermelho agridoce do meu batom preferido.


Samelly Xavier, reaprendendo a usar metáforas

7 Comments:

Mirna said...

Lindo demais! Como tudo que você escreve. Me arrisquei a ser blogueira tb, só postei um texto, se vc tiver tempo, dá uma passadinha lá...Só ñ garanto a qualidade do seu blog, garanto tão somente as boas intenções de escrever! Beijos! Mirna.

Anônimo said...

Dizem que "a história nunca se repete senão como uma farsa".

Mas acredito em ciclos sim, pois tudo o que fazemos tem retorno, igual a um bulmerangue.

Tô esperando teu texto para o dia 08, tá? Desde ontem começaram as homenagens, lá.

Beijo

Unknown said...

há quem plante você nas montanhas de Aspen.

Socorro Souza said...

Parabens Sam, por mais um belo texto.
Hoje ando envolvida emocionalmente com a seguinte citação: "Meu silêncio não nos separou. Sua morte nos separa. Minha morte não nos reunirá. Assim é: já é belo que nossas vidas tenham podido harmonizar-se por tanto tempo". Simone de Beauvoir(A Cerimônia do Adeus).
Abraços

aluah said...

Muito lindo o jeito que você posiciona as palavras. Isso de se sentir velho e o dia anterior ao próximo dia ser um dia em que foste mais nova foi demais. É aquela coisa... muita coisa aqui muita gente sente, mas por algum motivo, parece que só você consegue escrever tão claro, simples, e ao mesmo tempo tão bonito.

Clarissa Santos said...

Sempre é complicado vir aqui. Por que quando chega o ponto-final final, já estou arrebatada pelas palavras Sammelísticas e não sobra umazinha que possa descrever a sensação de ler mais um texto como esse. É sempre luminoso.

Beijos :*

Unknown said...

Se tu morasse dentro de mim... Peraí, tu moras dentro de mim, mas enfim, o que eu ia dizer é que eu me reconheço mais nos teus textos do que em mim mesma!
Lindo e Genial!